Domingo passado, foi comemorado o
quadragésimo aniversário do lançamento de uma obra-prima: “The Dark Side Of The
Moon”, do Pink Floyd.
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A Capa da obra-prima, podendo-se ver o disco em vinil. |
Em 24 de março de 1973, eu tinha
14 anos e quando ouvi pela primeira vez esse disco. A idade exata de
transformações, escolhas definitivas e formadoras do caráter e do homem, para o
resto da vida. Já estava apaixonado pela mulher com quem me casaria e teria
dois filhos dos quais muito me orgulho; Já era torcedor do Fluminense e vivia
em estado de êxtase com meu time, afinal tínhamos sido campeões estaduais em
69, 71 e seríamos em 73.
Meu gosto musical era o mais
variado possível: Gostava principalmente de Beatles, Chico Buarque e Roberto
Carlos (nessa ordem) mas já estava descobrindo outros tipos de sons e a
qualidade e variedade musical naqueles anos nunca mais se repetiria. Os
principais responsáveis por aumentarem meu cardápio musical foram dois colegas
de escola, muito mais descolados que eu em termos de som: William e Ronald. Meu
pai, evangélico e minha mãe muito católica não eram exatamente o casal mais
animado do bairro e musica lá em casa só as evangélicas ou de programas como os
do Haroldo de Andrade que privilegiava a MPB mais popular, ou brega. Tempos
duros.
Não conhecíamos rádio FM. Eu só
vinha a saber das novidades musicais através do boca a boca comum nas rodinhas
de amigos ou raramente no programa do disk-jóquei “BigBoy”, da rádio mundial,
quando eu conseguia “roubar” o rádio de pilha do meu velho.
Repentinamente, a TV Globo
inaugurou um programa chamado “Sábado Som”, com a apresentação de um jovem
chamado Nélson Motta. O primeiro programa seria dedicado ao conjunto Pink
Floyd, que eu desconhecia totalmente, mas já era incensado pelos meus dois
amigos, William e Ronald. Resolvi assistir ao programa, somente para ter o que
discutir, na semana seguinte e não ficar boiando como eu sempre ficava quando
eles discutiam sobre som. Fui totalmente dominado pelas imagens, pelo visual do
grupo e principalmente pelo som, algo que eu nunca poderia ter imaginado. Eles
se apresentavam para ninguém, numa espécie de Coliseu, em Pompéia, e com
imagens de um vulcão, o Vesúvio, em plena atividade! Foi uma porrada direta e
certeira na ponta do meu queixo. Fui nocauteado e nunca mais seria o mesmo.
Na segunda feira havia aquele
frisson, aquela tensão no ar, quase palpável. Todo mundo comentava sobre o tal
programa, sobre o conjunto, e lá estava eu também, tecendo meus comentários.
Para minha maior surpresa, meus amigos comentavam que o álbum que eles estavam
lançando era ainda melhor que aquilo tudo que eu tinha visto e ouvido. Passei
a prestar mais atenção aos programas de
rádio que tocavam musica mais moderna, e ouvi então, pela primeira vez a música
“Time”, na rádio Mundial, se não me engano! Desde o primeiro acorde, que era o
som de um despertador, até o finalzinho da música, meu coração foi inchando,
inchando, inchando..parecia que ia explodir, de tanto prazer. Uma musica linda,
diferente de tudo o que eu havia escutado até então! Realmente era melhor ainda
que aquelas mostradas no “Sábado Som”. Incrível! Quando começou o solo de
guitarra me senti flutuando, de olhos fechados. Que musica maravilhosa!
Foi então na aula seguinte que o
William me disse: “amanhã eu vou te emprestar o “Dark Side of the Moon”.
Quando peguei o álbum pela primeira
vez, já ouve o estranhamento de não haver fotos do grupo ou qualquer
identificação na capa preta. Apenas um triângulo, sendo cortado por uma luz
branca e do outro lado as cores do arco-íris. Eu já havia estudado sobre cores
e sabia que aquilo mostrava a decomposição da luz branca. Intrigante. Hoje, eu
vejo as inúmeras possibilidades de percepção que essa capa nos permite. Posso
imaginar essa imagem como sendo eu a luz branca antes de conhecer o Pink Floyd
(O Prisma) e como eu me transformei, multicolorido, depois de ouvir Pink Floyd!
Posso interpretar também como sendo minha descoberta com a doutrina espírita
que abriu muitos caminhos para minha jornada aqui na terra... como todo ícone,
essa imagem se presta a milhares de interpretações pessoais. Por isso essa capa
é com certeza a mais conhecida. Mesmo quem não curte rock conhece essa capa.
Na parte interna, o álbum se abria e só havia
as linhas como se fossem um exame do coração, ou a representação gráfica do
som, com a relação das músicas e as letras. Eu tinha um toca-discos muito
vagabundinho, um “Sonata”, mas para mim foi como se as portas do céu se
abrissem quando coloquei o disco pra girar. Para minha curiosidade, vi que as
faixas não eram separadas! Para quem não sabe, os discos de vinil tinham pequenas separações entre uma música e
outra, em geral eram do\ze músicas, seis de um lado e seis do outro, mas nesse
disco em particular, não havia nenhuma separação! E as musicas rolavam
misturadas entre si. Quando uma terminava a outra se encadeava naturalmente
como se fosse a sequência da musica!!!! Aquilo tudo era novidade e eu fiquei
literalmente abobado! Haviam sons pré-gravados misturados aos instrumentos,
frases soltas ao longo da gravação, pequenos ruídos que eu ia descobrindo a
cada nova repetição. Apesar de ninguém no grupo tocar, o saxofone forma
uma parte importante do som do álbum, expondo a influência de jazz da
banda (especialmente a de Rick Wright) e cantoras de apoio fazem uma parte
principal em ajudar a diversificar a textura do álbum. Por exemplo, canções
como “Money” e “Time” são colocadas em
ambos sons melancólicos de slide-guitar em "Breathe-reprise”, e
levada, pelo canto feminino "The Great Gig in the Sky”(com Clare Torry nos
vocais principais), enquanto a minimalista em instrumentos "On The run"
é tocada praticamente inteira em um único sintetizador. Efeitos sonoros
incidentais e partes de entrevistas são apresentadas ao longo das canções, a
maioria delas, gravadas em
estúdio. As entrevistas de Waters começavam com perguntas
como "Qual é sua cor favorita?" uma tentativa em deixar as pessoas
mais confortáveis. Então ele perguntava "Quando foi a última vez que você
foi violento? E você estava certo?" Outras perguntas também eram,
"Você tem medo de morrer ?" As letras do álbum e tentativa de
som em descrever as diferentes pressões que a vida no dia-a-dia atua no ser
humano. Esse conceito (concebido por Waters em uma reunião da banda por perto
da mesa da cozinha do Mason) provou ser poderoso com a banda, e juntos eles
fizeram uma lista de temas, vários, os quais seriam re-utilizados em álbuns
seguintes, como o uso de violência e a futilidade da guerra em "Us and
Them", e temas como insanidade e neurose discutido em "Brain Damage".
As complicadas e precisas formas de engenheiro no som do álbum, com Alan
Parsons, ditaram novos parâmetros para fidelidade de som que virou um aspecto
reconhecível da banda, e foi uma forte forma no que diz a longa permanência nas
paradas do álbum, enquanto audiófilos constantemente trocam suas cópias
desgastadas.
Sim...eu repeti o disco várias e
várias vezes e à cada vez que eu o
ouvia, percebia um som, um toque que não havia reparado antes. Era como se eu
ouvisse a cada vez, um disco diferente. Percebi, maravilhado, que a música
“Time” que tocava nas rádios era editada. No Disco ela era precedida de uma
introdução maravilhosa, com um solo de bateria com nuances delicadas, diferente
da condução que normalmente se pede de uma bateria. Percebi que o final da
musica “Time” na realidade era a continuação da primeira música, “Breathe”! Uma
coisa de doido! E ao final de tudo uma revelação sombria: que na realidade, não
havia um lado escuro da lua. Na realidade, ela era toda escura: "There is
no dark side of the moon, really. Matter of fact, it's all dark."
O disco foi gravado num sistema
revolucionário, na época, o sistema “Quadrophonic”. Eu nem imaginava o que
seria isso e com a vitrolinha vagabundinha que eu possuía, nunca iria perceber
as nuances de estéreo que vinham embutidas nas músicas. Somente depois que
comprei um bom aparelho de som, coisa de uns 5 ou 6 anos depois é que eu pude
perceber a maravilha da gravação, os recursos que estavam ali o tempo todo,
esperando para serem descobertos por mim. Como eu havia comprado um fone de
ouvido para ouvir minhas musicas de rock sem ser incomodado pelo meu pai ou
minha mãe, voltei a me apaixonar pelo disco!
Havia música que tocava de um
lado para outro, dentro dos meus fones de ouvido. Eu ouvia as musicas de olhos
fechados e sentia a musica como se fosse algo físico, dentro de mim. Sentia a
musica atravessando meu cérebro, indo da direita para a esquerda e voltando
novamente para a direita! Havia musica tocando de um lado e ecoando do outro,
uma loucura! Certos sons mínimos que eu não havia percebido, agora surgiam como
se a música houvesse sido regravada com sons novos!
Isso tudo, sem esquecer a famosa
relação do disco com o filme “O mágico de Oz”:
-Quando o álbum é tocado
simultaneamente com o filme de 1939 “O Mágico de Oz”,ocorrem algumas
correspondências entre o filme e o álbum. Alguns momentos que indicam
isso são:
-Quando Dorothy cai de cima do
cercado em que está se equilibrando, inicia-se a música "On the run"
indicando o momento de suspense. Na seqüência a avó de Dorothy aparece
conversando, e neste momento é possível ouvir uma voz feminina de fundo na
mesma música.
-Quando Dorothy está na fazenda e
ela olha para o alto, no audio surge barulho de avião.
-Quando a bruxa está chegando de
bicicleta para raptar o cachorro de Dororthy, começam a tocar os sinos da
música "Time", análogo aos toques de campainhas de bicicletas.
Em seguida a bruxa estaciona a
bicicleta no cercado da casa de Dorothy e, enquanto está parada do no portão, o
avô de Dorothy bate com o portão por trás da bruxa. Quando o álbum e o filme
estão exatamente sincronizados, nesta batida do portão é tocada a primeira nota
da música "Time".
-Quando é cantada a frase
"Home, home again" (Casa, casa novamente) do reprise de
"Breathe", o cachorro de Dorothy entra pela janela do seu quarto,
após fugir da bruxa.
- A música "The great gig in
the sky" é tocada no momento de suspense do filme, onde um tornado
aproxima-se à casa. É possível perceber os três tempos da música em sincronia
com as cenas de suspense, as cenas de sonho/desmaio e com as cenas de calmaria.
-O som da caixa registradora no
princípio de “Money” (dinheiro) aparece exatamente quando Dorothy pisa pela
primeira vez a estrada dos tijolos amarelos; que é também o momento em que o
filme passa de preto e branco para cores. Outra referência é a aparição da fada
dourada;
-No momento em que a bruxa do
Oeste aparece, é tocada a palavra "black" (preto);
-A cena em que Dorothy encontra o
espantalho (personagem que alegava não ter cérebro) é acompanhada pela música
"Brain Damage" (dano cerebral), e quando a letra da música começa a
tocar: "the lunatic is in my head…" (o lunático está na minha
cabeça), o espantalho inicia a dançar freneticamente como um lunático;
-O bater de coração no fim do
álbum ocorre quando Dorothy tenta ouvir o coração do homem de lata;
-No momento em que a bruxa do
oeste lança uma bola de fogo contra Dorothy e seus companheiros, a música grita
"run!" (corra);
-No momento que Dorothy encontra
Oz, entra a música "Us and Them", soando Us como Oz bem quando
aparece a 1a imagem de Oz;
-Várias frases das letras
contidas nas músicas coincidem com os mesmos atos sendo executados pelos atores
no mesmo momento;
-A duração da maioria das músicas
coincide precisamente com a duração das cenas no filme.
-A banda insiste que isso são
puras coincidências.
Quando este fato começou a vir a público em 1997,
despertou um enorme interesse neste fenômeno. Uma pequena comunidade
espalhou-se à volta de vários 'sites' para explorar melhor esta idéia.
Quer as correspondências sejam verdadeiras ou imaginadas, alguns fãs do álbum
gostam de ver "Dark side of the rainbow", como é chamada muitas vezes
esta combinação.
A sincronização é conseguida fazendo pausa (de preferência a
versão em CD) mesmo no principio e parando a pausa quando o leão da MGM ruge
pela terceira vez. Considera-se que a apresentação da MGM (a do leão) é um
"pré-filme". O CD (The dark side of the moon) deve ser iniciado entre
o fade-out (do pré-filme) e o fade-in do começo exato do filme. Logo, o álbum e
o filme iniciam-se exatamente juntos.
Os membros dos Pink Floyd
desmentem qualquer relação entre o álbum e o filme. Eles afirmam que não
poderia esta relação ser planejada por não poderem reproduzir o filme no
estúdio, visto na altura não existirem ainda os Vídeogravadores.
Não sei por quantos anos eu ouvi
esse disco sem parar, quase todo dia. Para ser franco, ouço frequentemente até
hoje.
40 anos depois, posso dizer que
nenhum outro disco o superou em termos de beleza, audácia e criatividade. Basta
dizer que ficou no top 200 da billboard por 1094 semanas, sendo 591 semanas
consecutivas, de 76 até 1988. Fiquei mais espantado ainda ao comparar esse
disco com o primeiro dos Beatles, “Love me Do”. Como é que em apenas 10, 11
anos, a música deu um salto de qualidade tão grande?????