O ensino nas escolas militares, antes voltado para a guerra
convencional entre Estados (cada vez mais rara desde a Segunda Guerra Mundial),
sofre reformulações e incorpora aprendizados obtidos em operações realizadas
com diversos órgãos nas áreas de fronteira e nas missões de Garantia da Lei e
da Ordem (como é denominado o uso de tropas em segurança pública), como greves
das polícias e ocupação de morros do Rio de Janeiro.
“O Exército é sempre o mesmo, mas a realidade muda. A América do Sul é uma
região pacífica, mas não podemos abrir mão de que eles [jovens militares]
aprendam como atuar em grandes combates de guerra convencional", diz o
general Fernando Vasconcellos Pereira, diretor do Departamento de Educação e
Cultura do Exército.
"Em 2012, começamos a reduzir a carga horária de aulas
sobre guerras da antiguidade e clássicas, tentando trazer isso mais para a
nossa realidade, com os conflitos modernos, como Iraque, Afeganistão, guerra ao
terror. O mundo agora é outro”, acrescenta o general.
“Não entramos em nenhuma ação sem preparação específica. Seja para ocupar o
morro do Rio de Janeiro ou para enviar tropas para a missão de paz no Haiti,
nos dedicamos para isso. E, no nosso ensino, o que é vivenciado nas ruas passa
a fazer parte do dia a dia”, garante.
Para o capitão Flavio Américo, que liderou, por um ano, um
grupo de observadores da ONU que monitorava o conflito no Sudão e também
comandou tropas durante o emprego do Exército em morros do Rio de Janeiro, nas
eleições de 2008, o Exército ainda está aprendendo a atuar perto da população.
"A preparação que eu tive, tanto para atuar na
segurança do Rio quanto para a missão de paz, foram excelentes. Somos treinados
para essas situações", diz o oficial, com ponderações.
"Mas a formação que temos é voltada para a guerra, no modelo de combate
convencional e com armamento pesado, como canhões. Hoje, o conflito é entre a
população, com um inimigo não definido, com armas e equipamentos diferentes e
com uma grande atuação interagências. Nesse tipo de guerra é fundamental o
apoio da população. O choque entre as forças é, na realidade, um confronto de
vontades para ter a população a seu lado”, defende o capitão.
Segundo o general Fernando Vasconcellos, da diretoria de ensino do Exército,
houve, em todas escolas militares, o incremento do ensino de novas tecnologias,
guerra cibernética, inteligência, missões de paz e terrorismo. "O nosso
oficial e praça, hoje, sai formado disciplinarmente, sabendo atuar em vários
tipos de operações”, garante.
Serviço militar
obrigatório
Ao contrário da Marinha e da Aeronáutica, que realizam concursos para praças de
baixa patente, o Exército não conta com soldados profissionais. A maioria dos
jovens ingressa na Força através do serviço militar obrigatório, aos 18 anos. O
tempo máximo de permanência é de oito anos, e o pedido para continuar sendo
militar é feito anualmente.
Com isso, o Exército perde soldados que receberam pesados
treinamentos e que acabam contratos por multinacionais e por empresas de
segurança. Nos últimos oito anos, o corte de recursos para a Defesa diminuiu em
quase 50% o número de vagas para o serviço militar. Em 2004, eram 117.779 vagas
disponíveis, reduzidas para 61.430, em 2012.
Segundo dados do Exército, mais de 92% dos jovens convocados são voluntários,
que recebem aulas de tiro, de sobrevivência na selva, cumprem tarefas de
limpeza do quartel e ganham R$ 500 por mês.
“Eu quero ser militar porque é algo de família. Meus avós
seguiram carreira, eu quero fazer o mesmo. Quero ter uma vida independente, sem
ajuda de pai ou mãe, e não precisar correr atrás de emprego”, diz o estudante
Ronan Ferreira de Lima, de 18 anos.
Filho de empresários do interior de São Paulo, Ronan
compareceu à Junta de Serviço Militar em Santo Amaro em 30 de abril, último dia disponível
para o alistamento militar neste ano.
“Eu acho que [servir] ajuda psicologicamente a ter determinação. Eu não tenho
medo das dificuldades, de serem carrascos. Não me importo com isso, não”,
acrescenta ele.
Só na capital paulista, 98 mil jovens se alistaram em 2012.
Apenas 1,2 mil serão convocados, segundo o tenente Nelson Paravani, coordenador
das juntas de serviço militar de São Paulo.
“Eles chegam nas juntas, apresentam os documentos e fazem o
alistamento, dizendo se é ou não voluntário. Isso é obrigatório, segundo nossa
Constituição. A maioria que quer servir é de nível escolar baixo. Por isso,
selecionamos os melhores”, diz Paravani.
Os jovens que são dispensados devem prestar juramento à bandeira brasileira,
afirmando que, em caso de guerra, ajudarão a defender a Pátria. Quem já está
fazendo faculdade é chamado para o Centro de Preparação de Oficiais da Reserva
(CPOR), em que recebe, durante meio turno, instruções militares básicas para
comando.
O tenente diz que o alistamento militar pela internet será testado,
no próximo ano, como forma de diminuir as longas filas durante o período e a
espera dos jovens para apresentar documentos e saber o resultado.
“A partir de 2013, pretendemos que o processo seja feito pela internet, através
do site da prefeitura. Será um piloto que o Exército testará primeiro em São Paulo. A forma é
semelhante ao agendamento para inspeção veicular: o jovem escolhe a data e o
horário para comparecer e evita os tumultos”, diz o oficial.
O estudante Igor Pedro Santos começou a servir em um quartel
no Rio de Janeiro em março deste ano. Voluntário, ele comemora a convocação.
“Tenho três irmãos que trabalham e não quiseram servir. O sonho do meu pai
sempre foi ter um filho militar e eu, desde pequeno, gosto disso. Minha família
me apoia”, diz.
“Vida de militar não é mole, não. Tem que gostar para conseguir chegar longe.
Passei muita dificuldade nos treinamentos, mas lembrava que minha família
torcia por mim e não desisti”, afirma o jovem ao relembrar de rastejamentos, de
comida escassa e das longas marchas no curso de preparação para ser soldado.
A lei que trata do serviço militar no país é de 1964 e
obriga que todo homem, ao completar 18 anos, apresente-se a uma Junta de
Serviço Militar em sua cidade para o alistamento.
Como o número de vagas é pequeno, um dos objetivos da
Estratégia Nacional de Defesa (END), promulgada em 2008, é promover mudanças na
legislação para “tornar o serviço militar obrigatório realmente obrigatório”.
No futuro, segundo a END, os dispensados do serviço militar deveriam ser usados
em um serviço civil, “de preferência em uma região do país diferente da que
vivem”.
No entanto, na reformulação do texto, que foi entregue em
julho deste ano pelo Ministério da Defesa ao Congresso e que ainda precisa ser
aprovado, o trecho foi retirado. A nova versão diz apenas que, “como o número
dos alistados anualmente é muito maior do que o número de recrutas", eles
serão selecionados de acordo com “o vigor físico, a aptidão e a capacidade
intelectual”.
Segundo o general Walmir Almada Schneider Filho, que trata dos projetos da END
no Exército, ainda não há nenhuma definição sobre mudanças. "O serviço
militar é obrigatório só no nome, porque mais de 90% dos nossos soldados são
voluntários. O que queremos é melhorar o nível de profissionalização desse
jovem, que terá que atuar com novas tecnologias e inteligência nos próximos
anos. Dizem que o nível do nosso soldado é muito baixo. Mas ele é o extrato da
sociedade", afirma.
Transformações
internas
Em 2011, o Exército incorporou a primeira tenente mulher de descendência
indígena. Natural da terra Waiãpi, localizada no município de Mazagão (AP),
Silvia Nobre Lopes, de 36 anos, é fisioterapeuta e atua no Rio de Janeiro.
Quando criança, Silvia ficava triste por não poder hastear a
bandeira nacional. “Jurei para mim mesma que ainda faria isso”, diz a oficial.
“Sempre ouvia que, como indígena, eu era o verdadeiro brasileiro. Mas a
realidade era diferente”, relembra.
A tenente foi vítima de uma tentativa de estupro, na
adolescência, e precisou fugir do agressor.
“Decidi que aprenderia a correr e me tornei uma atleta”, afirma sobre a decisão
tomada após o episódio. Durante uma competição, foi observada por treinadores
do Vasco da Gama e recebeu uma bolsa para estudar fisioterapia na capital carioca.
Ela prestou concurso para oficial temporário e se formou em 2011, ingressando
no Exército.
“Para mim, hastear a bandeira agora, no Hospital Militar, e ainda ajudar na
reabilitação das pessoas são dois sonhos realizados”, diz.
Para Silvia, a presença de indígenas nas Forças Armadas, apesar de ainda
incipiente, só tende a aumentar e a trazer benefícios. “Na Amazônia, os índios
são os que melhores conhecem a selva, são preparados para aquele ambiente.
Vários pelotões de fronteira usam indígenas como soldados no serviço militar
obrigatório. Tenho muitos amigos índios que estão se formando e querem seguir
carreira militar também.”
O Exército também aceitou, em 2012, o casamento de um
oficial gay, que passou a morar com o companheiro. O major, que é médico e
trabalha no Hospital Militar de São Paulo, não quis falar sobre o tema.
Ao G1, o Centro de Comunicação Social do Exército diz estar ciente da
cerimônia social de casamento do oficial, apesar dele não possuir registro
civil do matrimônio nem de união estável.
“O Exército Brasileiro não discrimina qualquer de seus integrantes, em razão de
raça, credo, orientação sexual ou outro parâmetro. O respeito ao indivíduo e à
dignidade da pessoa humana, em todos os níveis, é condição imprescindível ao
bom relacionamento entre seus integrantes e está alinhado com os pilares da
Instituição: a hierarquia e a disciplina”, diz a nota.
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