quinta-feira, 17 de abril de 2014

Vale tudo?


O campeonato carioca foi decidido no último domingo, após um erro da arbitragem que validou um gol irregular do Flamengo, aos 45 minutos do segundo tempo. Até então, o título era do Vasco da Gama, que ganhava a partida por 1x0. Por ter feito melhor campanha o time rubro-negro jogava pelo empate e, assim, foi declarado campeão. Infelizmente, enquanto nossas entidades regulamentadoras do esporte no Brasil (CBF e Federações Estaduais) se negarem a usar instrumentos tecnológicos (câmeras e chips) nos jogos oficiais. Isso se tornará, cada vez mais, comum nos estádios, sobretudo, porque diferentemente dessas entidades as emissoras de tvs responsáveis, pelas transmissões dos campeonatos, se valem do que há de mais modernos. Imagem em alta definição, repetições de jogadas, câmeras espalhadas por diversos pontos, que nos mostra quase que imediatamente os erros cometidos por árbitros, “bandeirinhas”, jogadores e torcedores. Enquanto, estivermos somente a mercê da perícia dos homens de pretos continuaremos a assistir campeonatos decididos dessa forma.
O Vasco foi o prejudicado da vez – por falar nisso, já havia sido prejudicado, anteriormente, no mesmo campeonato e, coincidentemente, contra o mesmo Flamengo. Ainda na fase classificatória, o time cruzmaltino não teve um gol legal validado, pois o auxiliar posicionado atrás do gol alegou que não viu a bola entrar em cobrança de falta – outros poderão ocupar essa vaga no futuro. Outra coincidência reside no fato de que o mesmo time da Gávea foi saiu favorecido nas duas ocasiões. Já abordamos aqui, em colunas anteriores, nosso posicionamento em relação à postura dessas entidades que alegam não terem recursos financeiros para instalação e manutenção desses instrumentos tecnológicos. O que é, no mínimo, estranho, em vista das cifras milionárias que circulam por esses espaços. Também já falamos da precariedade de nossos árbitros. Fala-se tanto em profissionalização do esporte. Vemos jogadores se reunindo em busca de melhores condições de trabalho, clubes construindo estádios modernos, buscando a profissionalização de seus dirigentes, mas a arbitragem continua parada no tempo. A profissão sequer é reconhecida por lei. Os juízes também fazem parte do “espetáculo” e podem interferir em resultados de um campeonato como presenciamos no último domingo, mas o amadorismo parece imperar entre a classe.
O que chamou minha atenção nesse episódio foi a atmosfera que reinou após o jogo. Ainda em campo, o goleiro Felipe, do Flamengo afirmou que “roubado é mais gostoso”. E seu companheiro de clube, Alecsando, que há poucos anos defendeu as cores do clube da colina, alguns dias depois, também não se envergonhou diante da vitória e afirmou: “Se tiver que chorar, que chore a mãe deles”. Exigir dos rapazes um pouco de profissionalismo seria demais. Essa palavra anda tão em desuso em nosso futebol. Parece até mesmo ser desconhecida para muitos de nossos jogadores, que se comportam como boleiros, em campo, agredindo colegas de profissão, simulando faltas, induzindo os juízes ao erro, incitando a violência entre os torcedores etc. Felipe e Alecsandro, infelizmente, são somente mais um exemplo, de vários que temos desfilando sua ignorância pelos gramados. Só muda a cor da camisa que vestem, pois o comportamento é o mesmo. O Bom Senso Futebol Clube poderia oferecer quem sabe palestras ou cursos para nossos jogadores entenderem, que são atletas profissionais remunerados para isso e funcionários de um clube hoje e que amanhã podem estar trabalhando em outros.
Em um momento, que a nossa sociedade parece cansada de tanta corrupção, diante das manifestações de julho do ano passado e dos protestos em função dos gastos exorbitantes com a Copa do Mundo. Em que vemos, diariamente, escândalos serem descobertos e expostos em capas de jornal (atualmente, acompanhamos o desenrolar das investigações da compra da Pasadena pela Petrobras). Foi com muita surpresa que vi os jornais na segunda-feira seguinte ao jogo. Essa luta pela moralidade da política, dos agentes do Estado, da desmilitarização da Polícia Militar tudo isso foi, sumariamente, esquecido, pois os mesmos veículos de comunicação que militam por essas causas, enalteceram a vitória do Flamengo. O máximo, que fizeram, foi explicar em letras miúdas que o gol havia sido em posição de impedimento. Mas, nada que ofuscasse a vitória ou manchasse o pôster. Era só mais um detalhezinho de nada.
 Os torcedores rubro-negros saíram às ruas para comemorar a vitória na “raça”, “magistral”, em cima do adversário no último minuto. Vestiram orgulhosos suas camisas para mostrar a alegria que é torcer para um time que acabara de ser campeão injustamente, de forma desleal. O sorriso no rosto, o jornal de baixo do braço pronto para mais dia de trabalho, “o torcedor do melhor time do mundo”. Enquanto isso, o Vasco foi tratado como o idiota da vez, o bobo que fez tudo certo, mas que foi passado para trás pelo mais esperto, pelo malandrão. Claro, em tudo, há exceções, e dessa vez não foi diferente. Conheço torcedores do Flamengo que se sentiram envergonhados com a forma que o título foi conquistado. E até mesmo entristecido por ter a imagem do seu clube associada à malandragem, ao ganhar a qualquer custo, a falta de respeito ao adversário. Esses também devem ter sido taxados de idiotas...
Ah mais, vão dizer, “você está pegando pesado isso é futebol, entretenimento, esporte. Nada haver. Cadê o bom humor?” Então, quer dizer que vale tudo no futebol? Vale chamar o negro de macaco, o homossexual de viado, agredir o jogador que perdeu pênalti, o goleiro que falhou, ou o técnico que substitui errado, jogar ovos no time desclassificado, matar o torcedor do time adversário porque ele cometeu o pecado mortal de não torcer para o  meu time! Não, não vale tudo. Futebol é uma modalidade esportiva que para ser disputado precisa respeitar regras. E a regra 11 determina que o jogador em posição de impedimento a jogada não deve ser invalidada e “o árbitro deverá outorgar um tiro livre indireto a equipe adversária, que será lançado do lugar onde se cometeu a falta”. Sendo assim, o gol deveria ser invalidado.  Até nas peladas de ruas há regras, código de condutas que são seguidos à risca e olha que lá não há juízes, ou seja, não há quem nós puna pela infração. Se a torcida atirar alguma coisa no “gramado” ninguém jogará com os portões fechados. Ou quem sabe se um peladeiro quebrar a perna de um colega ele irá comemorar “menos mal, não foi a minha mãe que chorou”. E mesmo, assim, nos campos de pelada há mais respeito que em nossos gramados padrão Fifa.

Esse comportamento em nosso futebol é reflexo de nossa sociedade. Fora das quatro linhas, para muita gente, vale tudo. Vale desviar dinheiro público, vale descumprir as leis de trânsito (“vou estacionar em cima da calçada mesmo, não tem ninguém olhando”), vale roubar (trabalhar para que assim é mais gostoso), vale molestar mulheres no transporte público, vale maltratar animais, vale estuprar, vale tirar a vida de alguém porque ele “mexeu com sua mulher”, vale envenenar o marido, vale assassinar o filho do amante que terminou o relacionamento. Enquanto, reinar esse “vale tudo” quando estaremos longe de nos tornar um país desenvolvido, dentro ou fora das quatro linhas. 

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