Hoje vou fugir um pouco ao meu propósito neste espaço e misturar um pouco de passado com o presente e o futuro. Na realidade, é o futebol praticado pela Holanda em 74 e o Barcelona em 2011 que proporcionou esse efeito mágico de misturar épocas e estilos. A Holanda de 74 apresentou ao mundo o futebol do futuro e o Barcelona de hoje resgatou os ensinamentos do passado.
Em 1974 fiquei assombrado com a Seleção da Holanda. Sempre repeti para os mais jovens que foi a melhor seleção que já tinha visto jogar. Sei que muitos não acreditavam em mim ou achavam que era exagero de um velho recordando os tempos felizes da juventude mas a realidade era que os holandeses encantaram em primeiro lugar a Europa e depois o mundo com seu futebol-carrossel, ou futebol total, como chamavam na época. Todos defendiam, todos atacavam, sem vaidades nem estrelismos. A premissa básica da chamada “laranja mecânica” era: Tomar a bola do adversário o mais rapidamente possível e mantê-la por mais tempo em sua posse. Simples, não? Sem a bola, o adversário não pode atacar, não pode chutar a gol e se não chutar a gol, não faz gol, e consequentemente não ganha o jogo. Ter a bola e não saber o que fazer com ela, de nada adiantaria e esse foi o segundo ponto fundamental na Holanda. Os jogadores selecionados não foram escolhidos de acordo com sua posição mas pela habilidade que demonstravam possuir em campo. Mais ou menos o que foi feito com a Seleção Brasileira em 1970, quando tivemos que deslocar Tostão para centro-avante; Jairzinho de ponta-direita e Rivelino na ponta-esquerda. Todos esses jogavam com a camisa 10, mas essa já tinha dono, claro: Pelé! Piazza foi recuado para a zaga, permitindo a manutenção de Clodoaldo na cabeça de área. Nenhum desses nomes poderia ficar de fora e o jeito foi arrumar um lugar para cada um no time principal. E olhem que mesmo assim ainda deixamos de fora um jogador excepcional como Paulo César Caju.
A geração 74 da Holanda era constituída por jogadores inteligentes, versáteis, humildes e não havia vaga para jogadores botinudos, incapazes de tocar a bola com precisão e rapidez. Marcavam por pressão a saída de bola adversária dando muitas vezes a impressão de terem 5 ou 6 jogadores a mais em campo. Cada vez que um adversário dominava a bola era cercado por pelo menos 3 holandeses. A Holanda imprensava o adversário em seu próprio campo, exatamente como faz hoje o Barcelona e o goleiro (Jongbloed), que jogava com a camisa 8, era uma espécie de líbero, e tinha mais habilidade com os pés que com as mãos. Lembrem-se que naquela época ninguém imaginava as mudanças das regras que exigem hoje de um goleiro que seja razoavelmente habilidoso com os pés!!!
Johan Cruijff era o craque da Holanda e funcionava como um técnico dentro de campo. Ele ditava o ritmo holandês: acelerava, reduzia, orientava os jogadores dentro de campo e dava o exemplo voltando para marcar os adversários e buscando espaços vazios, o que lhe permitia aparecer de surpresa na ponta esquerda, ou direita, ou até mesmo como centro-avante.
A Holanda só não foi campeã do mundo pelo acaso que cerca uma competição em que uma derrota é fatal. Mas foi ela, e não a Alemanha campeã, quem fez história.
Passados quase 40 anos, o Barcelona repete a receita holandesa e os resultados são os mesmos: Vitórias, vitórias, vitórias. Por que a fórmula original holandesa foi abandonada até mesmo pela própria Holanda é um mistério mas porque o Barcelona foi buscá-la, é obra de Johan Cruijff que foi jogador do clube por muitos anos, foi treinador e até hoje é uma voz muito influente e respeitada no clube Catalão. Inclusive treina ainda hoje a Seleção Catalã .
Não adianta estarmos aqui elogiando a Holanda e o Barcelona. Como o próprio Neymar confessou após a acachapante derrota na final do Mundial Interclubes da Fifa de 2011, o Santos (e os times brasileiros em geral) teve uma lição de futebol.
Será que aprendemos?
Antes de tudo, há que mudar a mentalidade. Falta visão. Não é que faltem jogadores para os times brasileiros. Messi talvez não explodisse no futebol brasileiro contemporâneo. Poderia ser preterido , já na base, por jogadores ao estilo Dunga. Desde a base, é dada a preferencia a jogadores que basicamente sabem pouco mais que destruir as jogadas adversárias, na maioria das vezes com faltas desclassificantes. Duas ou três vagas no meio campo são destinadas a eles e na maioria das vezes não sobra camisa para um jogador criativo. Por que o técnico os escala? Por medo de perder o cargo! Se a base fosse vista como lavoura para se colher os frutos na fase profissional, nossa história seria outra! Uma medida simples seria ter professores de futebol e não técnicos na base. Professores, esses, livres da pressão de obter resultados numéricos em termos de campeonato e sim em numero de jogadores formados no Clube. O futebol bonito pode, sim, ser vencedor. Depois de 82 e 86 se consagrou a idéia de que precisávamos nos europeizar para vencer. Infelizmente o Brasil caminhou na direção de Zagallo e não na de Telê. Dunga e agora Mano são filhos de Zagallo, bem como Muricy.
É patético que na terra de Pelé, Gérson, Rivelinno e Garrincha tenhamos que ver jogar o Barcelona e ouvir as entrevistas de Guardiola para lembrarmos o que é arte no futebol.